A vida é movimento: galáxias se movem no Universo, sóis dançam nas galáxias, planetas ao redor do sol e de si mesmos. Bastam estes dois últimos movimentos, translação e rotação, para que várias outras “danças” se façam percebidas por nós – o ciclo das estações, o dia e a noite, alterações climáticas, movimentos de migração animais, respostas orgânicas diferenciadas, etc. – impondo ritmos à condição de vida sobre o planeta.
Os habitantes deste planeta respondem orgânica e psicologicamente a ritmos pré-estabelecidos (sístole/diástole, inspiração/expiração, ciclos hormonais, etc.)
São ritmos/ciclos que provocam novos ritmos/ciclos, sucessivamente.
A espécie humana, desde os seus primórdios, encontra na dança uma expressão rítmica, gestual e corporal de representação do cotidiano (a caça, o trabalho, a sobrevivência) ao mesmo tempo em que o transcende para buscar um estado de co-participação deste pulsar rítmico universal (a dança enquanto ato cerimonial) imanência e transcendência coabitam o ato de dançar:
…”Na época paleolítica…, o animal é um inimigo difícil de ser vencido,…ele condiciona a sobrevivência do homem fornecendo-lhe…:carne e gordura para a alimentação, peles para as vestimentas,ossos e chifres pra os instrumentos. O ecossistema paleolítico baseia-se nos animais; as danças só poderiam referir-se a eles.” (Boucier, 1978,pg.03)
…”Em suma, parece, segundo os documentos conhecidos, que a dança nos períodos mesolítico e paleolítico está sempre ligada a um ato cerimonial que coloca os executantes num estado fora do normal. O estado de despersonalização é favorecido pelo uso de máscaras de animais que, obrigatoriamente, fazem parte do rito”(Boucier, 1978, pg.09).
Nestes tempos imemoriais encontramos as danças circulares com mais freqüência a partir do período mesolítico quando as representações de grupo começam a ficar mais freqüentes e o homem passa a organizar-se em comunidade, estruturando de forma mais elaborada os artífices para a sobrevivência e a convivência:
…”No atual estado de nossos conhecimentos, a roda é o movimento primitivo da dança coral. È verdade que a roda tem as virtudes de uma dinâmica de grupo…Há uma excitação nervosa recíproca, um abandono de ao menos uma parte da identidade pessoal em proveito da identidade de grupo”.(Boucier, 1978,pg.09).
Ao longo da história esta correlação (imanente/transcendente) sofre um distanciamento paulatino. A dança promove a identidade do grupo, normatizando e perpetuando sua forma de organização social e religiosa:
“…a população vai aumentar e por possuírem bens serão obrigados a protegê-los Nascem as cidades,, cada uma com sua personalidade…A medida que descobre sua identidade…cada grupo terá, portanto, sua ou suas danças próprias.” (Boucier, 1978, pg 10).
Desta forma a dança vai ganhando elementos e funções diferenciadas sejam nas artes agrárias, da guerra, na expressão religiosa, artística ou no convívio social (ritos de passagem, nascimentos, casamentos, etc.).
A erosão desta relação com o transcendente, para nós ocidentais, se torna mais ativa a partir da Alta Idade Média, onde a relação com o corpo é mais distante e proibitiva, da qual sentimos os reflexos até os dias de hoje:
….”nas culturas da alta Antiguidade, a dança é sagrada; numa segunda fase, transformar-se-á em um ritual totêmico; somente no final da evolução ela se tornará matéria para espetáculos, matéria de divertimento. Aqui (na Alta Idade Média) as duas primeiras fases são proibidas; a dança é apenas um divertimento.
Sua evolução prossegue apenas neste contexto, o que levará a ser dança-espetáculo, a única que o mundo ocidental conhece hoje…”(Boucier, 1978,pg.51).
As danças que nascem das manifestações populares vão sendo absorvidas pelas classes dominantes, adaptando-as para recintos fechados e indumentárias pesadas. A espontaneidade inicial é substituída pelos movimentos estudados e codificados, sendo necessários os mestres de dança que aparecem nas cortes da Renascença, ensinando os passos e a marcação coreográfica em torno do tema escolhido por quem o empregava. A Dança Cênica apresenta seus pilares.
Na Renascença, a visão de Homem cônscio de si, a caminho cada vez mais de uma racionalidade na exploração do universo e do uso da lógica, traz um dançar que é alvo para a educação da Nobreza, distinguindo-se a Dança Popular da Dança Aristocrata.
O Balleto, oriundo do verbo italiano ballare (saltar, dançar, bailar) nos trará o Ballet como espetáculo e a elitização da dança terá seu expoente máximo.
Nas danças regionais, étnicas e folclóricas ainda vemos os resquícios da “antiga “dança cerimonial ” que sem dúvida expressam a identidade de um povo, a forma de organizarem suas leis, o pertencimento grupal; mas cada vez mais reduzidas e com menor expressão, dado o êxodo rural, o crescimento das grandes cidades e a Revolução Industrial.
A Dança Cênica nos mostrará diferentes estágios dentro de diferentes momentos, mas podemos perceber três grandes matizes:
A evolução da Dança Clássica, com seu enredo, hierarquia de papéis e repertório bem definidos, que poderiam ser didaticamente repetidos em nova encenação. O olhar para um corpo específico do bailarino, associado a uma técnica mais fechada e exigente, onde a busca pelo virtuoso tornou-se um fim em si mesmo , ainda que levasse à rigidez.
No Séc XIX para o XX, caminha para a Dança Moderna, onde alguns dos elementos do Clássico são questionados e até mesmo negados. Podemos encontrar metodologia, técnica, um sentido no enredo, mas não necessariamente uma história. A busca de liberdade se faz mais presente tanto no corpo que encena, quanto nos conceitos morais que dão sustentação ao dançar. Emoções e paixão têm direito a uma expressão dramática, o corpo tem a tarefa de expressar o que há na intensidade das angustias.
Mas o Dançar depende de uma visão de mundo e de homem, que não se separa de uma temporalidade. Após a II Guerra Mundial, novos valores de Homem e de Mundo nas Artes e nas Ciências se fazem, recusando um mundo, recusando a busca de sentidos, a realidade de tempo/espaço. Não precisamos apenas de um homem angustiado.
A Nova Dança ou a Dança Contemporânea busca na desconstrução, assim como a Física Moderna, um caminho onde você recria matéria/energia. As coreografias passam a ser marcadas na hora, sem necessariamente direções definidas. As idéias são mais livres, o bailarino utiliza a memória corporal, não precisamente coreográfica. O público entende o movimento como quiser. Musica e Movimento não estão mais necessariamente ligados, assim como Tempo e Espaço ganharam novas dimensões na Física.
Além do que a Dança Cênica tem a oferecer, nos dias de hoje o Dançar alcança outras possibilidades e linguagens:
Encontraremos nos movimentos contemporâneos das Artes Circenses, das Danças Urbanas, ou ainda nas matizes das Danças Africanas, Brasileiras, Orientais e nas Danças Circulares e dos Povos outras linguagens que atendem às necessidades de nossa época, a um corpo individual e coletivo dançante.
O processo histórico/cultural embasado no paradigma cartesiano/newtoniano nos afastou de uma visão sistêmica. O homem está inserido num planeta do qual depende, mas ainda o vê em partes que podem ser exploradas.
As conseqüências deste modelo afetam as mais variadas Áreas do conhecimento humano entre elas a Educação.
…” Passamos a ser competentes e especialistas no conhecimento dos fenômenos externos da vida e fomos cada vez ficando mais estranhos aos confins de nossa interioridade, de nossa subjetividade mais funda.
Os paradigmas instituídos como modelos predominantes de verdade foram erigidos sob o pólo da razão analítica e linear que vai tomando contornos cada vez mais abstratos nos distanciando da carnalidade do vivido, de nossa vivência existencial, de nosso ser mais intuitivo, emocional, sensitivo, espiritual…”(Almir, 2002, pg 60)
Nossas práticas educativas, no seu sentido mais amplo, carecem de encontros, diálogos, experiências e descobertas que notabilizem os valores essenciais à nossa existência.
Assim, explorar diferentes possibilidades da Dança tem sido um instrumento impactante para o trabalho individual e coletivo, criando/buscando formas de nos entender/relacionar com o mundo e tocar em aspectos perdidos ou até então não explorados em nós mesmos. Uma ação emergente e um olhar para o Todo.
Ao contatarmos uma visão mais abrangente e diversificada do dançar, linguagens igualmente mais abrangentes e diversificadas são acessadas e a possibilidade de integrar conhecimento e auto-conhecimento se tornam muito mais próximas.
Bibliografia
– ARAÚJO, Miguel Almir L. de – Laços de Encruzilhada-Ensaios Transdisciplinares –
UEFS – Feira de Santana – BA – 2002
– BOURCIER, P. História da Dança no Ocidente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
– CAPRA, Fritjof – O Tao da Física – São Paulo: Cultrix, 2000
– GARAUDY, R. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
– PORTINARI, M. História da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989
Vaneri de Oliveira – Docente do curso de Pós em Dança e Consciência Corporal
Formada em Psicologia, com Especialização em Cinesiologia Psicológica (Sedes Sapientiae) e Dança e Consciência Corporal (Estácio de Sá), tive a maior parte da minha atuação profissional com os adolescentes da Fund. CASA, como professora e coord,pedagógica. Em 1992 descubro a força do Círculo e da Dança que passaram a fazer parte do meu cotidiano com estes jovens, através Danças Brasileiras com Viktor Trindade. Buscando ampliar este repertório, em 1998 contato com Monica Goberstein e Renata Ramos as Danças Circulares e desde então estas passaram a ser meu caminho de vida e profissional. O contato e atuação com Marika Gidali e o Ballet Stagium a partir de 2001, me trouxe um compromisso muito grande com a Arte da Dança, sua História e o olhar coreográfico. Em 2004, passo da situação de aluna para sócia-diretora do `SemeiaDança-Danças Circulares e da Paz Universal` junto com Monica e Arlenice Juliani. Desde 1998 foram inúmeras as formações, cursos e vivencias já oferecidos nos mais diversos locais, nacionais e internacionais. Desde 2005 atuo como professora na Pós Graduação em Dança e Consciência Corporal das Universidades FMU, Estácio de Sá e São Caetano do Sul.